quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Se for prestar auxilo a alguém

Olhe bem ao redor e certifique-se de que, ao ajudar alguém, você não estará sujeito a ferimentos também. Isso é muito comum em situações nas quais o tráfego está apenas parcialmente bloqueado.

Explique à pessoa ferida o que você fará, antes de fazer.

Se possível, use luvas limpas, para evitar contaminar as duas partes, e proteção para os olhos. Em caso de ter de auxiliar alguém ferido, cheque as funções vitais: consciência, circulação e respiração.

Sabe-se que uma pessoa está inconsciente porque não atende quando se fala com ela,
não tem reflexos nem responde a estímulos, como um aperto de mão ou um beliscão.

Se for comprovado que está inconsciente, coloque-a deitada de lado, para evitar que se engasgue com a língua ou se asfixie com o vômito.

Certifique-se de que a pessoa não se engasgará com chicletes, balas, dentaduras ou qualquer outro objeto que esteja na boca. Passe o dedo indicador pela língua e gengivas em forma de anzol, caso precise desobstruir a passagem de ar.


Situações Específicas: Em caso de crise de pânico


Respire lentamente pelo nariz, retenha o ar e solte, repetindo mais de uma vez.

Repita para si mesmo: tudo vai ficar bem, os sintomas vão passar, os efeitos são desconfortáveis mas passageiros.

Converse, peça ajuda, afaste-se do foco de tumulto e reavalie a situação.

Situações Específicas: Spray de pimenta ou gás lacrimogênico

Procure afastar-se da área contaminada pela substância o mais rápido possível, mantendo a cabeça alta e sem esfregar o rosto. Fique calmo, concentrado e tente cadenciar a respiração. O pânico, a hiperventilação e a transpiração fazem os poros se abrir e aumentam a irritação da pele. Acalme-se. Saiba que o efeito é passageiro. Tente não sentar ou deitar na área contaminada, já que os gases se concentram em locais mais baixos.

Para limpar os resíduos do gás, vire a cabeça lateralmente, jogue água corrente abundante e deixe-a escorrer do olho para fora, em um olho de cada vez; cuidado para que a água escorra em direção ao chão, e não contamine a pele, roupas ou cabelos. Esta técnica funciona apenas caso exista água corrente e abundante no local. Do contrário, pouca água criará apenas mais irritação.

Assoe o nariz e cuspa, isto ajudará a eliminar os químicos.

Se sua pele tiver sido molhada com spray de pimenta, limpe-a com roupa que não foi contaminada. Se você espalhar o óleo químico pela pele, aumentará a dor.

Para se descontaminar, tome um banho frio e demorado; isso vai manter os poros fechados e evitar que os químicos entrem pela pele.

Coloque as roupas contaminadas numa sacola e tire todo o ar. Depois, deixe a roupa contaminada em local aberto, para arejar; se você entrar em uma sala com roupas, cabelo e pele contaminados por químicos, você irá contaminar toda a sala. Lave-a separadamente de outras roupas não contaminadas, com água e sabão. Se possível, troque de roupa antes de entrar em locais fechados.

Observação: Dias chuvosos ou muito úmidos favorecem a concentração do gás em zonas baixas tornando seus efeitos ainda mais incômodos e persistentes. Procure sempre locais elevados e ventilados.

Situações Específicas: Tiros de Bala de Borracha


Não tente se aproximar, argumentar ou impedir os disparos. Prefira sair do alcance dos tiros o mais rápido possível e de forma segura.

A tendência da polícia é disparar na altura da cintura para baixo, então a orientação é sair do campo de ação, protegendo o rosto com os braços e a lateral do corpo. Não superestime a proteção do colete e do capacete, caso esteja usando, porque as balas provocam ferimentos em qualquer parte do corpo que, dependendo da distância do disparo, podem ser graves. Na primeira oportunidade, procure um abrigo. Não é recomendável deitar ou sentar, porque, neste caso, o rosto ficará no ângulo do disparo.

Cuidados com o corpo


Cabelos: Cubra com boné, capacete, touca ou sacola, se possível à prova d’água. Cabelos compridos devem ser mantidos presos, para evitar maior área de contaminação por gases ou que sejam agarrados e enrosquem em cercas ou pregos.

Pele: Não passe na pele: vaselina, detergente, hidratantes, maquiagem, protetor solar que contém óleo ou qualquer produto ácido que pode provocar reações fortes. A reação aos efeitos químicos dos gases será maior se houver alguma irritação na pele, como acne ou irritações severas. Chuva e suor aumentam a sensação de queimação provocada pelo gás na pele.

Olhos: Não use lentes de contato. Elas retêm o gás lacrimogêneo; caso isso ocorra, a desintoxicação dos materiais deve ser feita com água abundante e corrente. Use bandanas e lenços embebidos em água e toalhas úmidas para diminuir a inalação dos gases e agentes químicos enquanto deixa o local contaminado; não esfregue nada contra o rosto - isso ativa ainda mais os elementos do gás.

Não há comprovação científica de que o vinagre neutraliza os efeitos dos gases. Ele causa apenas uma sensação de alívio momentânea. E como trata-se de um ácido, pode provocar irritação no nariz, boca e garganta. O ideal é usar um pano embebido em água, que serve como um filtro para impedir a passagem do gás, dando tempo para que a equipe abandone o local. Mas lembre-se de que é uma solução improvisada. Existem máscaras à venda no mercado, semelhantes às usadas pelas forças policiais, que oferecem cobertura para os olhos, com filtros. Em linhas gerais, máscaras próprias para trabalhar com amônia funcionam contra o gás lacrimogêneo.

Evite tentar proteger apenas os olhos com máscaras de natação ou de pintor. O ideal é uma máscara para proteção com carvão ativado. Se usá-las, combine com a solução descrita acima para nariz e boca. A máscara de natação cobre apenas os olhos, deixando o nariz descoberto. A pessoa vai começar a lacrimejar, a lente vai embaçar devido ao suor e à tensão, e rapidamente será preciso tirá-la. Máscara de pintor deixa os olhos desprotegidos. Com a sufocação provocada pelos agentes químicos, a tendência é tirá-la rapidamente também. Se a concentração do gás for baixa, o jornalista pode usá-las apenas para ganhar algum tempo até sair da área contaminada.

Pés: Use sapatos confortáveis, com solas antiderrapantes e que permitam correr e caminhar por longos períodos. Existem calçados que garantem uma proteção maior aos dedos; são praticamente
como coturnos, mas com design de tênis, geralmente de couro (usados por profissionais que precisam de segurança no trabalho). Tenha especial cuidado ao circular por áreas onde haja barricadas em chamas, destroços, vidros quebrados e outros materiais que possam varar a sola do tênis.

Equipamentos de Segurança e Proteção

Considere a possibilidade de usar capacete e colete, com identificação de IMPRENSA, de acordo com a análise de risco feita na fase de planejamento. Se você é correspondente estrangeiro e possui seu próprio equipamento, lembre-se que palavras como PRESS e PRENSA podem não fazer sentido para pessoas que não conheçam inglês e espanhol.

Caso a sua empresa não forneça estes equipamentos e você tenha de improvisar, preste atenção nestas orientações:

Roupas: Use roupas confortáveis e de fibra natural.

As roupas impermeáveis ajudam a proteger a pele dos efeitos do gás lacrimogêneo, mas, por outro lado, são inflamáveis em situações nas quais haja uso de material incendiário, como molotovs. Avalie o contexto e tome decisões em função dos fatos.

O mesmo vale para casacos de chuva ou tecidos à prova d’água – lavados com sabão neutro, protegem contra agentes químicos (ao contrário do cotton ou algodão).

Leve uma roupa extra na mochila para trocar, caso seja atingido pelo gás ou água, principalmente em locais de clima frio. A roupa atingida pelo gás fica contaminada, por isso guarde-a numa sacola à parte, de preferência de plástico, bem fechada.

Não use brincos, piercings, colares ou gravatas que possam ser arrancados ou provocar estrangulamento.

Não use roupas de cores semelhantes às de manifestantes ou das forças de segurança.


O que fazer em caso de agressão ou detenção




Se lhe tirarem algum objeto pessoal, incluindo gravações de vídeo ou anotações, demonstre sua inconformidade. Recorde-lhes que é um ato de censura que está proibido pela Constituição, mas não entre em discussões acaloradas, nem toque as pessoas.

Dependendo da situação, não é aconselhável falar nada no momento. Não afronte pessoas em fúria e respeite o espaço de cada um. Observe a linguagem corporal. Pessoas que gesticulam muito necessitam de mais espaço livre a sua volta. O mesmo acontece com pessoas armadas. Aceite insultos e tenha paciência.

Mantenha contato visual quando for interpelado. Caso use óculos escuros, retire-os. Olhe nos olhos do interlocutor, respire fundo e tente impor um ritmo pausado e calmo à sua fala. Evite entrar em troca de acusações ou acelerar o ritmo da discussão. Mostre que você não representa uma ameaça.

Se for preso, faça todos os esforços para manter uma conduta profissional enquanto explica que é um repórter e está informando a população; se mesmo assim for mantida a detenção, cumpra as ordens e espere uma oportunidade para apresentar seu caso com calma diante de uma autoridade superior.
Gravar as conversas pode ser útil nesse momento. Pequenos gravadores ou aplicativos para Smartfones podem ser utilizados com cautela e servir de prova a seu favor futuramente.

Fale sempre a verdade e evite alterações. Mantenha-se calmo e assuma uma postura subserviente. Lembre-se, seu único objetivo nessa hora é sobreviver e sair dessa situação.

Se for vítima de uma detenção ilegal por membros da força pública, informe imediatamente o Ministério Público ou autoridades municipais e as organizações de imprensa, e exija a presença de um delegado.

Se for agredido ou sofrer abuso, anote o número de identificação ou nome do agressor e denuncie junto às autoridades (polícia, Ministério Público, Procuradoria), as organizações de imprensa e aos superiores do agressor.

Caso seja colocado em um carro da polícia, grite seu nome e o nome de seu veículo de comunicação para que a informação sobre sua detenção circule.

Durante a Manifestação: Posicionamento e Ação


O Comitê de Proteção a Jornalistas sugere que se pense no jornalista como se fosse um árbitro em um campo de jogo: “Ele deve estar suficientemente perto para observar o jogo com precisão, mas ainda assim deve tomar todas as precauções para evitar misturar-se na ação”. Evite ficar encurralado ou preso entre os grupos que se enfrentam, ou no meio da multidão. Procure manter-se onde possa ter uma visão mais ampla. Tenha uma rota de fuga em mente, sempre. Ao chegar ao local, antes de qualquer coisa, pense em como sair dali em caso de emergência.

Ao chegar ao local, faça um mapa mental, identificando o posicionamento da Tropa de Choque e da Cavalaria. Estes grupos especiais podem estar situados a uma ou mais quadras de distância, fora da visão dos manifestantes. É importante prever de onde eles podem vir e em que direção correr caso haja ordem de dispersão.

Esteja atento às mudanças de ânimo da manifestação e mudanças de posicionamento da polícia. Saiba interpretar os sinais do contexto e se antecipe aos riscos. Normalmente, a formação da Tropa de Choque indica intenção de dispersar. Anteveja a direção em que esse movimento acontecerá e planeje seus movimentos em função disso.

Evite vagar aleatoriamente no meio da massa, prefira investidas pontuais para registrar o que necessita.

Considere filmar de um ponto mais distante, nas laterais, ou no alto. Esse planejamento pode ser feito no mapa, com imagens aéreas ou informações obtidas por contatos no local.

Nunca recolha nada jogado durante uma manifestação. Pode tratar-se de um explosivo de fabricação caseira ou outro dispositivo combustível, além de gerar suspeitas para a polícia de que você também é um manifestante; suspeite de todo e qualquer material abandonado.

Não toque em invólucros deflagrados de bombas lançadas pela polícia. Elas podem estar quentes.

Não tome partido por nenhum dos grupos envolvidos.

Ao filmar abordagens policiais, evite acercar-se pelas costas de policiais envolvidos na situação. Prefira as laterais. Nunca toque policiais que tenham sacado armas – especialmente os fotógrafos, que costumam pedir espaço para conseguir melhor ângulo. Lembre-se que os envolvidos na situação podem estar tensos e reagir de forma inesperada ao que considerarem uma ameaça.

Repórteres fotográficos e cinegrafistas devem levar lentes com teleobjetiva que permitam chegar mais perto da ação sem necessitar se expor a maiores riscos.

Tente evitar tirar muitas fotos, ou filmar por períodos muito longos uma única pessoa ou um pequeno grupo de pessoas. Isso pode causar uma impressão de que essa pessoa/ grupo pode estar sendo ameaçada/o.

Se decidir mudar de direção, peça conselhos e dicas a pessoas que estejam vindo do local para onde você está se dirigindo.


Kit de primeiro socorros para jornalista


Pessoal (Para Mochila):
Bactericida
Compressas de gaze esterilizadas (mínimo de 1 pacote com 10 unidades) 
Atadura de crepe (mínimo de 1 pacote com 4,5 X 10 cm) 
Esparadrapo (3 m X 2 cm) 
Luvas de procedimento (1 par) 
Anti-histamínico (antialérgico) (4 comprimidos) 
Analgésico (4 comprimidos) 
Antidiarreico (4 comprimidos) 
Pinça 
Tesoura 
Protetor solar

Para o Veículo:
Luvas de procedimento 
Esparadrapo 
Ataduras de crepe 
Curativos adesivos (para cortes e arranhões) 
Gazes absorventes 
Máscara de Reanimação Cardiopulmonar (RCP) 
Sabonete bactericida 
Antisséptico  
Álcool gel 
Pinça 
Tesoura sem ponta 
Isolante térmico aluminizado (manta de emergência) 
Fitas adesivas 
Cotonetes 
Compressas estéreis 
Pacotinhos de açúcar: para hipoglicemia (baixa de açúcar no sangue) 
Pacotinhos de sal: para hipotensão (pressão arterial baixa) Observação: com sal e açúcar é possível fazer soro caseiro, indicado para evitar desidratação - em um copo de água, misture uma colher de sopa de açúcar e uma colher de café de sal

Kit Básico para mochila





Use uma mochila leve, fácil de abrir e fechar e que se prenda bem ao corpo, facilitando seu deslocamento.

Leve água potável e alimentos energéticos para o caso de a cobertura se estender. Separe os alimentos em pequenas porções. Você pode ter de manejá-los enquanto caminha por muito tempo.

Saiba ativar a função de lanterna do seu celular. Caso não possua essa função, baixe o aplicativo ou carregue uma pequena lanterna consigo.

Caso não conheça o local, um mapa pode ser útil. O GPS – tanto do carro quanto de celular - também. Saiba como operá-lo, teste antes e familiarize-se com suas funções. Você também pode, previamente, marcar no mapa pontos de interesse, como áreas elevadas para captação de imagem, hospitais, delegacias e rotas de fuga.

Equipes de televisão devem preferir equipamentos leves, que possam ser facilmente carregados. Esteja preparado para deixá -los para trás, se precisar sair rapidamente.

Utilize uma pulseira ou uma placa de alerta médico indicando seu tipo sanguíneo ou qualquer condição médica especial ou de alergia.





Meios de transporte da equipe



Revise as condições de seu veículo: verifique sempre, antes de sair, se tem o extintor de incêndio do veículo válido e, mais importante ainda, saiba como acessá-lo e utilizá-lo.

Os motoristas devem estar alertas. Veículos de imprensa têm sido alvos de interesse de manifestantes hostis. Leve em consideração as regras da sua empresa e discuta com a equipe se é melhor o motorista ficar fora do veículo, em contato visual com o mesmo, ou dentro dele, com a chave na ignição, pronto para sair rapidamente se for necessário.

Depois de estacionar, o motorista deve continuar atento e vigilante sobre as mudanças no ânimo da massa e as alterações das condições de segurança ao redor. Se necessário, pode considerar mudar o veículo de posição, para evitar estar cercado, e deve certificar-se de que a equipe que participa da cobertura esteja informada do novo posicionamento.

Uma chave reserva do carro deve ser providenciada e ficar de posse de outro integrante da equipe, diferente do motorista, também habilitado para dirigir.

Acúmulos de função, como um motorista/ cinegrafista, aumentam os riscos para os profissionais.

Antes de Partir: Análise de Risco


Planeje com antecipação a cobertura que pretende realizar. Há alguma forma mais segura de obter as informações e imagens necessárias? Planeje o que fazer caso seja agredido, detido ou roubado. Caso conheça o percurso da marcha, antecipe rotas de fuga e combine isso previamente com membros de sua equipe.

Conheça o contexto social e político que motiva os atores: que fatos recentes antecederam esta manifestação, qual a atitude geral em relação aos meios de comunicação, o que pensam sobre o meio em que você trabalha, você possui características que podem gerar algum risco adicional (como o fato de ser mulher, num contexto que envolva risco de violência sexual), existem grupos com antecedentes de violência contra jornalistas?

Antes de ir para o local, visualize em GPS ou na internet o terreno onde se dará o protesto, identificando delegacias, locais de abrigo, rotas de fuga, sentido das ruas, locais elevados para boas imagens, ruas sem saída, bloqueios, hospitais e locais de referência para reorganização em caso de dispersão.

Calcule quanto tempo você e sua equipe precisam estar no ambiente para conseguir o que precisam.

Conheça a previsão do tempo para o período de cobertura. Se for o caso, leve capa impermeável. Em alguns locais, a temperatura cai à noite. Previna-se. Preservativos podem ser usados para guardar cartões de memória de máquinas fotográficas em caso de chuva torrencial ou de uso de canhões de água por parte da polícia.

Mantenha uma linha de comunicação permanente com a sala de redação. Combine conta
tos periódicos a certo intervalo de tempo, por meio de mensagens de texto pré-definidas e, se preciso, codificadas, tais como “Pneu furado”, equivalendo à mensagem real: “Fomos detidos”. Podem ser criadas dezenas de mensagens para todas as hipóteses levantadas durante a fase de planejamento, associadas a uma tabela com cópia na redação.

Grave em seu telefone mais de um número de discagem direta em caso de emergência. Insira a letra “A” no início do nome destes contatos, para situá-los no topo da agenda. Leve bateria reserva para o celular. Reduza o brilho da tela e desabilite dispositivos desnecessários que consumam energia excessiva do aparelho. Prefira aparelhos que comportem dois chips. Use chips de duas operadoras diferentes.

Repórteres fotográficos e cinegrafistas devem ser auxiliados pelo repórter ou assistente, pois eles estarão focados no seu trabalho de colher imagens. Deve haver alguém com visão ampliada e de todo o cenário, preocupado com a segurança da equipe. Combine previamente a distribuição destas funções.

Caso conte com um motorista, certifique-se de que ele conheça o local, seja capaz de prever rotas de fuga, esteja sempre comunicável e não deixe o carro preso em vagas inacessíveis.

Se você tem asma, problemas respiratórios ou infecciosos, está grávida, tem imunidade baixa, infecção nos olhos, usa lentes de contato e não tem óculos, evite engajar-se em coberturas deste tipo. Assegure-se de que está fisicamente capacitado para realizar a tarefa: você tem condições de correr?

Assegure-se de que, em caso de que alguma coisa lhe aconteça, você e sua família estarão amparados com cobertura médica e de seguro.

Use identificação visível à distância se considerar que isso representa maior proteção. Esconda a identificação e mimetize-se com as pessoas ao redor, se for o caso. Saiba ler o contexto e o ânimo dos atores em relação à imprensa. Combine previamente estes procedimentos com a equipe.

Mantenha o dinheiro em diferentes lugares da roupa e em carteira adicional, separado em pequenas quantias, em local impermeabilizado.

O que diz a lei sobre o uso de força pelos agentes de Segurança Pública?


A Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, estabelece 25 diretrizes sobre o uso da força e armas de fogo pelos agentes de segurança pública. Entre elas estão:

O uso da força por agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

Os agentes de segurança pública não deverão disparar armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.

Não é legítimo o uso de armas de fogo contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, a não ser que o ato represente um risco imediato de morte ou lesão grave aos agentes de segurança pública ou terceiros.

Os chamados “disparos de advertência” não são considerados prática aceitável, por não atenderem aos princípios elencados na Diretriz n.º 2 e em razão da imprevisibilidade de seus efeitos.

O ato de apontar arma de fogo contra pessoas durante os procedimentos de abordagem não deverá ser uma prática rotineira e indiscriminada.

A Resolução n° 6/2013 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República diz que “a atuação do Poder Público deverá assegurar a proteção da vida, da incolumidade das pessoas e os direitos humanos de livre manifestação do pensamento e de reunião essenciais ao exercício da democracia”. E determina medidas de proteção para comunicadores:

ARTIGO 2°: Nas manifestações e eventos públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse, os agentes do Poder Público devem orientar a sua atuação por meios não violentos.

ARTIGO 3º: Não devem ser utilizadas armas de fogo em manifestações e eventos públicos, nem na execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

ARTIGO 4º: O uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente necessário para resguardar a integridade física do agente do Poder Público ou de terceiros, ou em situações extremas em que o uso da força é comprovadamente o único meio possível de conter ações violentas.

ARTIGO 5º: As atividades exercidas por repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação são essenciais para o efetivo respeito ao direito humano à liberdade de expressão, no contexto de manifestações e eventos públicos, bem como na cobertura da execução de mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse.

PARÁGRAFO ÚNICO: Os repórteres, fotógrafos e demais profissionais de comunicação devem gozar de especial proteção no exercício de sua profissão, sendo vedado qualquer óbice à sua atuação, em especial mediante uso da força. O coronel Eric Meier Júnior, da Polícia Militar do Distrito Federal, lembra que os órgãos policiais têm independência administrativa, portanto as ações são delineadas e detalhadas em cada Departamento Operacional. Caso haja desvios de conduta, abusos, violência desnecessária ou desproporcional, deve-se buscar a Corregedoria do órgão para registrar as queixas.




A polícia pode impedir o jornalista de ingressar em determinada área, ou delimitar os espaços de locomoção?


O artigo 5º, parágrafo XV, da Constituição Federal do Brasil diz que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. O artigo 220 da Constituição Federal, diz: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” Os direitos de ir e vir, e de liberdade de imprensa, portanto, não podem ser impedidos. Mas deve haver bom senso por parte do jornalista para não se submeter a riscos desnecessários. A Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas nº 1738 de 2006 e a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 18 de novembro de 2013 condenam ataques a jornalistas em zonas de conflito e atribuem esferas de responsabilidade.

Aprendendo com a prática: relatos de agressões e arbitrariedades

 (Foto: Agência O Globo)
Santiago Ilídio Andrade, de 49 anos, morreu no dia 10 de fevereiro de 2014, em decorrência de um incidente ocorrido quatro dias antes, quando registrava imagens do choque entre a Polícia Militar e manifestantes, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Ele trabalhava na TV Bandeirantes desde 2004. Profissional experiente, havia participado de cursos de prevenção de riscos em coberturas de conflitos armados. Santiago Andrade vinha de cobrir uma outra pauta, quando foi chamado para gravar imagens da manifestação contra o aumento das passagens de ônibus no centro do Rio. Atuava como motorista e cinegrafista, e trabalhava sem auxiliar ou repórter naquele dia. Enquanto fazia seu trabalho, com a atenção totalmente focada na lente da câmera, foi atingido pelas costas por um rojão disparado por um manifestante. A morte do cinegrafista foi, até agora, o incidente mais grave envolvendo os protestos e a imprensa. Fotógrafos e operadores de câmera, como Santiago Andrade, correm riscos adicionais por manejar equipamentos pesados e manter a atenção focada na captação das cenas, enquanto as condições de segurança mudam rapidamente ao seu redor. Para estes profissionais, o trabalho em equipe é ainda mais importante, uma vez que não podem voltar a atenção, ao mesmo tempo, para dois ou mais lugares diferentes. Um repórter cinematográfico do Ceará, por exemplo, se colocou em situação de vulnerabilidade durante a cobertura de um protesto. Não houve planejamento prévio nem distribuição de funções entre os três membros da equipe. Além de gravar, ele mesmo exercia a função de motorista e foi escalado sem saber que estava indo para uma manifestação. Nenhum membro da equipe possuía equipamentos de proteção pessoal.
Comportamentos imprudentes aumentam o risco. Mas mesmo quando medidas de precaução são tomadas, a cobertura de protestos continua sendo perigosa. Em São Paulo, um repórter fotográfico ficou cego de um olho após ser atingido por uma bala de borracha disparada por policiais, em junho de 2013. Ele considera que é preciso ir além da discussão da proteção do jornalista e diz que problemas estruturais impactam na falta de segurança. No auge dos protestos, ele lembra, grandes jornais publicaram editoriais cobrando uma ação mais enérgica da polícia, mesmo quando já se temia por consequências mais graves destas ações truculentas. Por isso, ele diz que é preciso que a imprensa rediscuta a própria pauta da violência e o seu papel nesta pauta.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Fontes abertas são uma fonte de poder


As fontes abertas nos colocam em uma posição de poder relativo, em comparação à situação habitual de pedir alguém para nos contar uma história. Pedir alguém para nos confirmar uma história é algo bastante diferente. É a diferença entre dizer “O que aconteceu?” e dizer “Foi isso que aconteceu, não foi?”.

É claro, é muito mais difícil iludir uma pessoa que faz a segunda pergunta. De maneira menos óbvia, é também muito mais interessante ter uma conversa com essa pessoa, porque ela é capaz de apreciar o valor da informação e responder a pergunta de maneira mais profunda do que alguém que não tem qualquer conhecimento independente. É provavelmente por isso que os representantes da Frente nos deram exemplos de política de preferência nacional sobre os quais não tínhamos pensado; eles pensaram que nós iríamos apreciar o seu trabalho.

Ao fazer uso de fontes abertas, você está demonstrando às suas fontes humanas que:

1. Você está interessado(a) na questão, a ponto de dedicar tempo e energia a ela.
2. Você não está esperando que eles trabalhem para você, e que é capaz de fazer o trabalho por conta própria.
3. Você não depende delas para buscar informações.
4. Você tem informações para compartilhar.
5. Você não pode ser impedido(a) de fazer a história simplesmente porque alguém não quer falar com você.

Aprenda a usar as portas abertas para encontrar informações antes de erguer o telefone e ligar para alguém. Essa é uma parte central no processo de tornar-se uma testemunha digna – uma pessoa com a qual as fontes queiram falar, uma vez que ela entende e aprecia aquilo que está sendo dito

Quais tipos de fontes são “abertas”?




No mundo contemporâneo, as fontes abertas são praticamente infinitas. Elas incluem:

Informações que já foram publicadas em qualquer mídia livremente acessível. Normalmente, elas podem ser acessadas em uma biblioteca pública ou entre os arquivos da mídia em questão:

Notícias (jornais, revistas, TV, rádio, internet)

Publicações de interesse especial (sindicatos, partidos políticos, associações comerciais, etc.)

Publicações acadêmicas

Mídias de atores interessados (como os fóruns de usuários da internet, analistas financeiros, informativos ou revistas de sindicatos, grupos de protesto, etc.

Exemplos:

Notícias de falecimentos podem lhe auxiliar a encontrar membros da família de pessoas nas quais você está interessado(a).

Grupos de protestos podem estar rastreando legislações ou casos de julgamentos.

Os escritórios de partidos políticos podem lhe passar não apenas as publicações do partido, mas também informativos, folhetos e publicações independentes de membros do partido, etc.

Recortes de notícias podem servir como um quebra-gelo em entrevistas; o(a) repórter pode pedir à fonte para confirmar se uma informação nas histórias é precisa, e avançar a partir dela.

Bibliotecas educativas incluindo universidades públicas ou privadas, escolas de medicina (ou hospitais-escola), escolas de negócios, etc. Essas instituições frequentemente têm equipamentos mais atualizados e recursos mais profundos do que as bibliotecas públicas, incluindo bases de dados de notícias, como a Factiva ou a Lexis-Nexis, ou bases de dados da empresa, como a Dun & Bradstreet, juntamente com um pessoal altamente treinado.

Descubra como você pode (e se você pode) negociar o seu acesso

Exemplos:

Uma investigação sobre um boicote de consumidores, cuja companhia-alvo afirmava ter falhado, mas que na verdade prejudicou gravemente a sua capitalização no mercado, valeu-se de relatórios de analistas financeiros contidos em uma base de dados na biblioteca da escola de negócios da INSEAD.

Agências governamentais
geralmente produzem mais informações do que qualquer outra fonte, e isso é verdadeiro até mesmo em países que consideramos autoritários, ou onde as leis de acesso a informação inexistem. Você pode quase sempre obter mais informações delas do que imagina.

Alguns exemplos:

Relatórios de incidentes: As agências têm regras que devem seguir. Mas os funcionários cometem “erros”. As ocasiões quando tais erros ou lapsos requerem um relató- rio oficial serão especificadas no manual ou nos códigos legais da agência. Peça esses relatórios.

Relatórios de inspeção: Diversas agências, responsáveis por tudo desde restaurantes até pontes de rodovias, compilam relatórios sobre operações ou instalações. Encontre esses relatórios e os seus autores – especialmente se tiver ocorrido algum desastre. Se não houver um relatório, isso por si só já é uma história: Por que a agência não estava vigiando? Se ele existir, e se ele tiver previsto o desastre, então por que nada foi feito para preveni-lo?
Reclamações: O público reclama, e às vezes essas reclamações são justificadas. Quem são as pessoas que recebem as reclamações? Algo é feito por elas? O que?

Bibliotecas governamentais.

Os governos nos níveis nacional e municipal, bem como os parlamentos, geralmente têm as suas próprias bibliotecas e arquivos. Assim também acontece em muitos ministérios. O registro dos atos parlamentares e o diário oficial são dois registros geralmente mantidos nessas bibliotecas, mas existem outros.

Alguns exemplos:

Um repórter na Síria obteve relatórios que os serviços secretos se recusaram a lhe fornecer, por meio da Biblioteca Nacional.

Uma investigação sobre o lobby do álcool na França começou com uma viagem ao Parlamento para revisar registros de votações, e em seguida, no Jornal Oficial, com a leitura da atividade governamental, para revisar os dados sobre financiamentos de campanha. A hipótese era de que os representantes públicos que propuseram emendas às leis favorecendo o lobby do álcool tinham recebido doações de campanha de firmas de membros do lobby, e isso era verdade.

Cortes de justiça.
No mínimo, as cortes de justiça mantêm registros dos julgamentos. Em alguns países, como os Estados Unidos, elas disponibilizam registros abertos de todas as evidências apresentadas em um julgamento. Sempre busque qualquer e todos os documentos das cortes envolvendo os seus alvos em cada país onde eles atuarem. Os testemunhos nos julgamentos são geralmente protegidos
contra processos. Se você estiver presente em um julgamento, preste atenção e anote em detalhe os testemunhos, especialmente se não estiver presente um(a) estenógrafo(a) da corte.

Exemplo:
A clássica investigação de Ida Tarbell sobre o truste da Standard Oil baseou-se amplamente em registros de julgamentos a partir de processos envolvendo a companhia.
Escritórios de divulgação. A câmara de comércio local normalmente publica uma quantidade de materiais em sua região ou município, fornecendo informações sobre emprego, tipos de indústrias e negócios, etc.

Exemplo:
Em uma investigação sobre a morte de uma criança em um hospital, um folheto da Câmara de Comércio citou o nome de um grupo de cidadania que tinha dado entrada em um processo contra o hospital pelos seus procedimentos no berçário da maternidade. O processo resultou em um relatório governamental contendo informações essenciais sobre o hospital.

Cartórios
Esses escritórios e os gabinetes a eles relacionados reúnem informações sobre direitos de propriedade, e frequentemente sobre empréstimos ainda não pagos relacionados à propriedade.

Exemplo:
Na França, as informações sobre propriedades que pertencem a políticos têm sido usadas para mostrar que eles acumularam muito mais riqueza do que suas receitas publicamente declaradas poderiam explicar.

Relatórios e comunicados de de imprensa de empresas estatais. Os relatórios anuais, arquivos regulatórios e documentos semelhantes contêm uma grande quantidade de informações sobre as empresas. Assim também é no caso dos releases de imprensa, que tipicamente apresentam as linhas de raciocínio da companhia para suas ações estratégicas. Se a firma tem operações no exterior, os
seus arquivos fora do país podem conter mais informações que sejam mais fáceis de acessar do que os arquivos domésticos.

Exemplo:
Os relatórios anuais e registros regulatórios junto à Comissão de Valores Imobiliários dos EUA obtidos por um misterioso financista francês permitiram a reconstituição de uma carteira de obrigações adquirida em um contexto de disputa, valendo bilhões de dólares. Os registros regulatórios mencionavam os nomes dos associados com cadeiras nos colegiados executivos das companhias que
emitiram as obrigações.


Tribunais ou Juntas Comerciais. Em cada país, existe um escritório que mantém registros sobre quem possui empresas, independentemente de elas terem ações ou não. A quantidade de informações que os donos de firmas precisam divulgar pode variar, mas ela é normalmente maior do que poderiam esperar os repórteres que nunca usam esses recursos. Na França, por exemplo, as informações divulgadas incluem o número de funcionários, receitas, dívidas, lucros e suas margens, etc. Também são fornecidos os nomes dos seus diretores.

Siga pela porta que está aberta

E m um filme chamado “Harper”, o ator Paul Newman faz o papel de um detetive particular que se encontra diante de uma porta com um menino que quer provar o quão durão ele é. “Por favor, por favor, posso passar pela porta?”, ele implora. “Claro”, diz o detetive. A criança se arremessa contra a porta e quase quebra o seu ombro. Harper caminha até a porta, gira a maçaneta e a abre.

Em minha experiência de ensino e prática de investigações, vejo muitas pessoas que agem como essa criança, tentando quebrar barreiras que não estão realmente fechadas, ou que elas poderiam facilmente contornar. Tipicamente, essas pessoas sofrem com uma ilusão: elas pensam que qualquer coisa que não é um segredo também não é digna de ser conhecida. E assim passam o seu tempo tentando fazer com que as pessoas lhes contem segredos. Até mesmo pessoas que são muito, muito boas nisso (Seymour Hersh e o neozelandês Nicky Hager vêm à mente) são obrigadas a mover-se devagar sobre esse terreno.

Infelizmente, para a maioria de nós, é difícil diferenciar um segredo de uma mentira. Enquanto isso, a pessoa termina fazendo papel de bobo, pois normalmente, pedir as pessoas para lhe contar algo as torna muito poderosas, e torna a pessoa que pergunta digna de pena.

Os profissionais de inteligência, cujos interesses incluem viver um tempo longo o suficiente para receber uma aposentadoria, usam uma abordagem diferente, com base em diferentes pressupostos:

A maior parte daquilo que chamamos "segredos" é composta simplesmente por fatos aos quais não tínhamos prestado atenção.

A maior parte desses fatos - a estimativa comum é de 90% - está disponível para a nossa consulta em uma fonte “aberta”, ou seja, uma fonte que pode ser livremente acessada.

Temos ouvido frequentemente que em um ou outro país, as informações de fontes abertas são limitadas e de qualidade ruim. Isso pode ser mais ou menos verdadeiro. Mas também temos percebido que sempre há mais informações de fontes abertas à disposição do que os jornalistas têm conseguido utilizar. O seu sucesso em por as mãos nessas fontes e produzir histórias a partir delas é frequentemente fácil, porque os seus competidores normalmente não estão fazendo esse trabalho. Ao invés disso, eles estão implorando para que alguém lhes conte um segredo.

Um exemplo em meio a diversos outros:

Na década de 1980, um jovem repórter francês de nome Hervé Liffran, do semanário Canard Enchaîné foi destacado para cobrir a prefeitura de Paris, mas descobriu que os funcionários públicos receberam ordens de não falar com ele. A única repartição onde ele podia entrar livremente era a biblioteca administrativa da cidade, onde cópias de todos os relatórios internos e contratos eram mantidas. Um dos seus primeiros furos jornalísticos foi a revelação de que a cidade tinha assinado contratos escandalosamente ricos para as grandes companhias de água e escandalosamente caros para os contribuintes. Quando as pessoas dentro da prefeitura viram que Liffran não poderia ser detido, elas começaram a falar com ele. Mais adiante, ele utilizou registros de votos livremente disponíveis para expor manipulações eleitorais na cidade de Paris; ele conferiu as listas para checar se os eleitores cujos endereços oficiais estavam em prédios de propriedade da cidade realmente viviam nesses lugares.

Então já dá para ter uma noção do conceito. Qualquer fato que está registrado em algum lugar, e que é aberto ao público, está ali à sua disposição. Não suponha que por serem abertas ao público, essas informações sejam velhas, inú- teis, ou já conhecidas. Não procure somente por partes específicas de informações; isso é o que os amadores fazem. Ao invés disso, procure pelos tipos de fontes e abordagens que você poderá sempre usar novamente. A sua capacidade de usar esse material será um fator crucial na sua reputação.

Lembre-se sempre disto: É sempre mais fácil fazer com que alguém confirme algo que você já sabe ou já entendeu, do que fazer com que alguém se voluntarie a dar informações que você ainda não tem. Voltaremos a essa questão mais adiante, na seção intitulada “fontes abertas como uma fonte de poder”.

Mantenha o seu foco na história


Lembre-se sempre: Cada hipótese apresentada por um(a) repórter deve ser formulada como uma história que possa ser verdadeira. Ela contém notícias, uma causa e uma solução. Isso significa que ao manter a hipótese firmemente em vista, o(a) repórter manterá seu foco na história, e não apenas nos fatos.

Os fatos podem ser a base da sua história, mas eles não contam a história. A história é que conta os fatos. Ninguém lembra três linhas de uma agenda de endereços, mas todos se lembram de uma história sobre cada nome na sua agenda. Ao enquadrar a sua investigação como uma história (lembrando que ela pode ser ou não verdadeira) desde o início, você não somente auxiliará os seus leitores futuros a se lembrar dela. Você também auxiliará você mesmo a se lembrar dela. Acredite no que estamos dizendo, essa é a parte mais difícil da investigação – lembrar-se da história à medida que os fatos vêm se somando.

Dedique o tempo necessário para se tornar um(a) expert nesse método. Pratique-o todas as vezes que você investigar. Ele lhe trará sorte e permitirá que você repita essa sorte.

E agora, vejamos onde podemos encontrar nossas fontes abertas – ou, como gostamos de chama-las, “portas abertas”.

Use as hipóteses para gerenciar uma investigação

O trabalho de gerenciamento significa nada mais do que escolher alvos e garantir, por meio de uma constante supervisão, que esses alvos sejam alcançados. Ele é um procedimento padrão em cada organização bem administrada no mundo, com a exceção habitual do jornalismo. Uma vez que você tiver definido uma hipótese e obtido evidências de que ela parece válida, sugerimos que estabeleça os seguintes parâmetros para o projeto:

1. Produtos: Com que mínimo você pode se comprometer a apresentar, em termos de histórias prontas? E com que máximo?

Sugerimos que o mínimo seja uma única história original, baseada na hipótese inicial ou em uma hipótese diferente, descoberta por meio da verificação. Se a hipótese for suficientemente fértil, ela pode ser expandida para uma série, ou para uma narrativa de longa extensão. Não prometa mais do que você pode apresentar, e procure não aceitar menos do que o projeto merece.

2. Marcos do processo: Quanto tempo você precisará para consultar as primeiras fontes abertas? Quando você contatará e entrevistará fontes humanas? Quando você estará pronto(a) para começar a redigir a história, ou as histórias?

Sugerimos que o(a) repórter e seus colegas envolvidos façam uma revisão semanal dos avanços alcançados. A verificação da hipótese e a descoberta de novas informações são as primeiras questões em vista, mas também é importante estar consciente se o projeto está ou não em dia, em termos de tempo e de custos. Atrasos que ameaçam o futuro do projeto não devem ser tolerados. E pessoas que não cumprirem seus compromissos em dia devem ser dispensadas da equipe.

3. Custos e recompensas: Além do seu tempo, que quase sempre é valioso, pode haver custos com viagens, acomodações e de outros tipos. Quais são eles? Especifique de modo tão detalhado quanto puder.

Se um(a) repórter estiver trabalhando independentemente, ele ou ela precisa considerar se esses custos serão justificáveis em termos de receitas adicionais, novos conhecimentos e habilidades adquiridas, novos contatos, prestígio ou outras oportunidades. A organização deve considerar se os custos do projeto podem ser amortizados por meio de aumentos nas vendas, prestígio e reputação. Todos os envolvidos devem considerar se o projeto se justifica pela perspectiva de um serviço de utilidade pública. Todos esses parâmetros são formas de valor.

4. Promoção: A quem essa história interessará? Como será possível conscientizar esse público sobre a história? Isso envolverá custos adicionais (incluindo o seu tempo e o tempo dos outros)? Que benefícios podem ser alcançados para você ou a sua organização por meio desse investimento?

Não faz sentido algum investir em uma investigação que não é promovida pela mídia que a publicará. Ademais, a ação promocional diminui os riscos de contra-ataques pelos afetados, contanto que a investigação seja precisa, pois isso chama a atenção de potenciais aliados. A ação promocional pode ser tão simples quanto uma manchete, ou tão complexa quanto o uso de fóruns da internet para gerar o “burburinho”. Discutiremos essa questão em mais detalhes no Capítulo 8.

Pode acontecer um abuso desses processos. Por exemplo, um editor pode estipular alvos que não são realistas, com uma meta oculta de fazer com que um repórter fracasse. Mas quase sempre, é bastante valioso substituir prazos diários por alguma outra estrutura na qual as expectativas sejam cumpridas.

Quando tudo acontece de acordo com o esperado, a hipótese e a sua verificação servirão como marcos para o seu progresso, e como indicadores daquilo que precisa ser feito em seguida. É inteligente também pensar para além da história em si, considerando como ela será recebida pelo público. A sua hipótese, que apresenta a sua história em alguns poucos enunciados, é a ferramenta que permitirá que você seja do interesse dos outros.

A tragédia da lei Baby Doe: Uma investigação baseada em uma hipótese.

Consideremos um exemplo estendido de como uma investigação baseada em uma hipótese funciona. Ele começou quando nosso chefe nos pediu para investigar uma dica de um dos seus amigos. O amigo tinha dito: “Médicos estão matando bebês nascidos prematuramente, para impedir que eles cresçam com deficiências”. O chefe tinha deixado claro que se não chegássemos à histó- ria, perderíamos nosso emprego.

1. Isolar os termos, encontrar as fontes abertas. O que há de errado com essa história? Para começar, você realmente acredita que alguns médicos malucos, treinados para salvar vidas, teriam repentinamente se tornado assassinos de bebês? Alguma vez você já viu um médico usando um crachá que diz, “eu mato bebês como um serviço público”? Nós tampouco. Então onde é que eles poderiam ser encontrados, supondo que eles existem? Você ligaria para um hospital e perguntaria, “Existem alguns assassinos por aí?”

Nós tampouco. O que há de certo nessa história, entretanto, é que ela contém diversos termos que podemos verificar:

A coisa mais difícil de se verificar acima é como uma pessoa mataria um bebê em uma enfermaria de recém-nascidos (Não, você não pode simplesmente ligar para um hospital e perguntar: “Vocês têm matado algum bebê recentemente? Como?”). Portanto, vamos deixar essa possibilidade de lado. Ao invés disso, buscamos a especialidade médica correta, que nos permitiria examinar a literatura médica mais recente, e também buscamos estatísticas sobre nascimentos prematuros e deficiências. Todas essas informações estão livremente disponíveis na biblioteca local – o exemplo arquetípico de uma fonte aberta.

2. A primeira análise: A hipótese se sustenta? O próximo passo foi reunir um pouco os dados, para ver se eles apoiavam a nossa hipótese. Pelas estatísticas nacionais sobre peso de bebês ao nascer, a medida padrão de prematuridade, e estudos científicos que apresentam as taxas de deficiências entre essas crianças, descobrimos uma curva de tendências mais ou menos assim:

Número de bebês nascidos prematuros e com deficiências nos EUA, 1970-1995.

Em outras palavras, de 1970 a 1984, o número de bebês nascidos prematuramente teve uma forte diminuição. Como a prematuridade também está associada a deficiências, o número de crianças com deficiências também diminuiu. Porém, após 1984, os números aumentaram novamente, de maneira inexorável.

Dados como esses apoiam ou negam a nossa hipótese? Nem apoiam, nem negam. Esses dados não nos mostram que há assassinos de bebês soltos pelo mundo. Talvez o fato de que o número de crianças com deficiências e nascidas prematuras aumentou novamente após 1984 tenha inspirado alguns malucos a tentar deter a onda. Mas ainda não sabemos. Tampouco sabemos se esses malucos estavam em ação entre 1970 e 1984, e então decidiram parar antes de serem pegos. Tudo o que sabemos é que a partir de 1984, algo mudou.

Comece com uma estratégia!

Permita-se o tempo necessário para examinar a sua estratégia investigativa – a ordem pela qual você executará tarefas específicas, e como elas se encaixarão em um todo. Acredite no que estamos dizendo: no final das contas, isso lhe economizará bastante tempo. Isso requererá uma lista inicial de perguntas que devem ser respondidas (por exemplo: Quem faz os produtos para o sangue? Como eles conseguem saber se os seus produtos são seguros ou não?).

É uma ideia muito boa começar a pesquisa pelas perguntas mais simples, ou seja, aquelas que você pode responder com informações que não requerem conversas com as pessoas. Em geral, o primeiro impulso de um repórter de notícias é pegar o telefone e começar a fazer perguntas. É claro, não estamos dizendo que você não deve falar com as pessoas. O que estamos dizendo é que há uma série de vantagens em começar a sua pesquisa sem fazer barulho. Quando a pesquisa tiver engrenado bem, muitas e muitas pessoas saberão o que você está fazendo.

É por isso que você precisa saber se existem ou não fontes abertas – documentos públicos, reportagens, e assim por diante – que possam servir para verificar ou elucidar partes da sua hipótese. Se elas existirem, consulte-as primeiro. Você compreenderá melhor a história antes de falar com as pessoas, e elas irão apreciar isso.

No Centro para a Integridade Pública, nos EUA, pede-se que os pesquisadores iniciantes façam pesquisa por diversas semanas antes que eles tenham permissão para contatar fontes. Você poderá não precisar de todo esse tempo. Mas se você é como nós, e como quase todas as centenas de pessoas que ensinamos a investigar, você precisa romper com o hábito de depender das outras pessoas para obter informações que você pode encontrar por conta própria. No próximo capítulo, veremos em detalhe como encontrar e utilizar fontes abertas

O uso da versão oficial como uma hipótese


Nem sempre é necessário criar uma hipótese. Às vezes, o(a) repórter pode tratar uma declaração oficial, ou uma dica anônima, como uma hipótese detalhada que demanda uma verificação. Essa é uma técnica simples que pode ter resultados surpreendentes.

Lembre-se de um importante princípio: A maioria das investigações tem a ver com uma diferença entre uma promessa e a realidade de se ela foi mantida ou não. Assim, a promessa oficial frequentemente serve como uma hipótese, e a verificação mostra se essa promessa foi ou não mantida.

Exemplo:

Uma das maiores histórias na história do jornalismo investigativo, a revelação do “Caso do Sangue Contaminado” na França, começou da seguinte maneira: a repórter Anne-Marie Casteret foi contatada por um hemofílico. Os hemofílicos são homens com um distúrbio genético que suprime os fatores de coagulação no sangue, de modo que um leve corte na pele pode levar a um sangramento incontrolável e fatal. No início da epidemia de AIDS, ele afirmava, a agência do governo francês vendeu de forma deliberada e consciente aos hemofílicos e às suas famílias produtos especiais para o sangue que estavam contaminados com o vírus da AIDS.

Casteret procurou o diretor da agência, que lhe disse: “É verdade que os hemofílicos se contaminaram com o HIV pelos nossos produtos. Mas...”

"Na ocasião, ninguém sabia que o HIV estava presente nos estoques de sangue que usamos para fazer os produtos".

"Ninguém sabia como fazer produtos mais seguros, então não havia qualquer outro disponível no mercado".

"A melhor coisa que podíamos fazer foi garantir que não iríamos espalhar o vírus ainda mais, garantindo que ninguém ainda não contaminado recebesse produtos contaminados".

Essa foi a história oficial, e ela tem coerência e sentido lógico. Mas quando Casteret começou a checá-la como se fosse apenas uma hipótese, ela gradualmente descobriu que nenhum dos fatos contidos nela poderia ser provado.

Ao contrário:

A literatura científica mostrava que o problema do HIV nos suprimentos de sangue era conhecido na época (de fato, a agência foi avisada de que os seus próprios suprimentos estavam infectados).

Havia companhias farmacêuticas e outras agências governamentais que sabiam como fazer produtos mais seguros, mas elas não foram escutadas.

A agência que vendeu os produtos contaminados não tinha ideia de se as pessoas que usaram os produtos contaminados não tinha ideia de se as pessoas que usaram os produtos infectados eram saudáveis ou não, porque eles não tinham feito exames de infecção pelo HIV. E em todo caso, infectar novamente pessoas que já estão enfermas é uma prática médica terrível.

No final, diante de evidências incontestáveis de que todos os seus produtos estavam contaminados pelo HIV, a agência tomou a decisão de continuar vendendo-os até que tivesse utilizado todos os estoques contaminados.

Casteret precisou de quatro anos para reunir toda essa história. Eles valeram a pena? Bem, a história colocou alguns criminosos de colarinho branco atrás das grades, deu a algumas vítimas o conforto de saberem que não estavam sozinhos, levou à derrota eleitoral de um governo que tinha tentando esconder o escândalo, e forçou a reformas um sistema de saúde que estava se tornando uma máquina de matar. Se você não quiser se dar o tempo necessário para fazer um trabalho como esse, mesmo que continue sendo um(a) jornalista, você não deveria se tornar um(a) investigador(a). 

Você pode estar se perguntando por que somente Casteret se deu esse tempo. O principal motivo – sem contar o fato de que pelo menos um dos seus competidores trabalhou pelo outro lado, para as mesmas pessoas que cometeram o crime – é que ninguém era capaz de acreditar que pessoas respeitáveis poderiam fazer tal coisa. Nós lhe diremos a seguinte frase mais de uma vez, e ela é um bom motivo para começar: Mais investigações são sabotadas por repórteres que não são capazes de aceitar a verdade daquilo que descobriram, do que pelos próprios alvos das investigações tentando se proteger. 

Como as hipóteses funcionam


1. Por que não importa se a primeira hipótese for verdadeira.

O enquadramento de uma investigação como uma hipótese é um procedimento tão antigo quanto a ciência, e é utilizado com sucesso em domínios tão distintos entre si quanto o trabalho policial e as consultorias de negócios (de fato, é uma aberração que apenas recentemente ele tenha sido importado para dentro do jornalismo como um método consciente). Em essência, ele se baseia em um truque mental. Você cria uma afirmação daquilo que pensa que a realidade é, com base nas melhores informações de que você dispõe, e, então, procura novas informações que possam provar ou refutar a sua afirmação. Esse é o processo de verificação. Como mostramos acima, se a hipótese como um todo não puder ser confirmada, os seus termos separados podem ser, ainda assim, individualmente verificados. Caso contrário, volte um passo atrás e produza uma nova hipótese. Uma hipótese que não pode ser verificada como um todo ou em parte é uma mera especulação.

Se uma afirmação for reforçada pelas evidências, ótimo: Você tem a sua história. De maneira menos visível, também é ótimo se a afirmação não for verdadeira, pois isso significa que deve haver uma história melhor do que a que você imaginou a princípio.

2. Para ter sucesso, estruture a hipótese. A hipótese inicial não deve ser mais longa do que três frases, por dois motivos muito bons. Se ela for mais longa do que isso, você não conseguirá explicá-la a outra pessoa. Mais importante, se ela for mais longa do que isso, você mesmo(a) provavelmente não a entenderá.

A hipótese é afirmada como um história. Isso tem uma importância imensa, pois significa que você terminará por onde começou – com uma história. Estamos não só coletando fatos; estamos contando histórias que esperamos que possam mudar o mundo. A hipótese lhe ajudará a explicar a história aos outros, começando pelo seu editor e editora, e então ao público.

Em sua forma mais básica, a história é quase sempre uma variante das seguintes três frases:

"Estamos diante de uma situação que está causando intenso sofrimento (ou que merece ser mais amplamente conhecida como um bom exemplo)".

"Foi assim que a situação chegou a esse ponto."

"Isso é o que acontecerá se nada mudar... E da seguinte maneira, poderíamos mudar as coisas para melhor".

Preste atenção nessas frases: Elas têm uma ordem cronológica implícita. Pode não ser aparente, porque a ordem não é uma linha reta do passado para o futuro. Ao invés disso, ela nos diz:

A notícia do problema, que é o presente;

A causa do problema, no passado;

O que deve mudar para que o problema seja resolvido, no futuro.

Assim, quando compomos a nossa hipótese, estamos começando a compor uma narrativa – uma história que envolve as pessoas que se movimentam em um lugar e um tempo específicos. Uma das coisas mais difíceis no trabalho de investigação é manter o foco na narrativa, e não se deixar soterrar pelos fatos. A sua hipótese pode lhe auxiliar. Quando você se sentir sobrecarregado(a), pare de cavar e comece a olhar para a história que os seus fatos estão buscando lhe contar. Se eles não se encaixarem na hipótese original, então modifique-a. Afinal de contas, ela é apenas uma hipótese.

A propósito, pode ser muito, muito difícil mostrar como podemos por um fim a um dado problema. Às vezes, o melhor que você pode fazer é denunciar uma injustiça. Mas frequentemente, alguém ligado à sua história já procurou uma solução. Não negligencie ir atrás dessa pessoa.

As hipóteses podem ser perigosas

Repórteres iniciantes se preocupam muito com o que acontecerá caso eles consigam ser bem-sucedidos com uma história. Haverá alguém querendo se vingar? Eles serão processados? Os repórteres experientes sabem que os principais problemas acontecem quando uma história fica mal feita. É claro, eles podem ser processados, e às vezes podem ser jogados na cadeia, estejam eles certos ou errados. Mas – e isso é algo menos visível à primeira vista – contar uma história que não é verdadeira torna o mundo um lugar mais triste e mais feio.

Portanto, por favor, lembre-se sempre disto: Se você simplesmente tentar provar a qualquer custo que uma hipótese é verdadeira, a despeito das evidências contrárias, você se juntará às fileiras dos mentirosos profissionais do mundo – os tiras desonestos que condenam um inocente, os políticos que vendem guerras como se fossem sabonetes. O objetivo de uma investigação está mais além de provar que você tem razão. O objetivo é encontrar a verdade. Uma investigação baseada em uma hipótese é uma ferramenta que pode cavar um boa medida da verdade, mas ela também pode cavar uma profunda cova para os inocentes.

Especificamente, para tornar o mundo pior, tudo o que você precisa fazer é deixar de lado os fatos que refutam a sua hipótese. Ou você pode ser descuidado(a) (os erros provavelmente adicionam tanto à confusão e ao sofrimento do mundo quanto as mentiras descaradas). De qualquer forma, você torna o seu trabalho mais fácil, e você permite que alguma outra pessoa limpe uma sujeira. Diversas pessoas o fazem a cada dia, mas essa atitude não se torna, por isso, aceitável. Nossa teoria é a de que existem muitos jornalistas no Inferno, e de que o mau uso de hipóteses é uma das maneira pelas quais eles foram parar lá. Portanto, seja honesto(a) e cuidadoso(a) sobre como você utiliza as hipóteses: Procure refutá-las, tanto quanto prová-las. Teremos mais a dizer a respeito dessa questão no capítulo 7, “Controle de qualidade”.

As vantagens de uma investigação a partir de histórias

Divulgação: Internet
Parece que o exemplo acima implica em muito trabalho? Isso é porque, de fato, ele implica em muito trabalho – mas somente se você o comparar com a maneira como a maioria das histórias de notícias é escrita, ou seja, conversando com uma ou duas fontes, ou reescrevendo um release. Se você comparar o método de hipótese com a maioria das outras maneiras de investigar, as vantagens em termos de economia de trabalho são óbvias:

1. Uma hipótese lhe dá algo a se verificar, ao invés de tentar desencobrir um segredo.

As pessoas não abrem mão dos seus segredos sem que haja um motivo realmente bom. Elas têm uma probabilidade muito maior de confirmar informações de que você já dispõe, pelo simples fato de que a maioria das pessoas detesta mentir. Uma hipótese permite que você as peça para confirmar algo, ao invés de avançar novas informações. Uma hipótese também permite que você adote a posição de uma pessoa aberta a descobrir mais a respeito da história do que você havia pensado, porque está disposta a aceitar que existem fatos mais além do que suspeitara no início.

2. Uma hipótese aumenta as suas chances de descobrir segredos.

Uma boa parte daquilo que chamamos de “segredos” é simplesmente composta por fatos sobre os quais ninguém havia perguntado. Uma hipótese tem o efeito psicológico de torná-lo(a) mais sensível aos materiais em questão, para que então possa fazer essas perguntas. Como disse o investigador francês Edwy Plenel, “se você quiser encontrar algo, você precisa estar à procura disso”. Podemos adicionar que se você estiver realmente à procura de algo, encontrará mais do que o que estava procurando.

3. Uma hipótese torna mais fácil gerenciar o seu projeto.

Após definir aquilo que você está buscando, e onde começar essa busca, você pode estimar quanto tempo demandarão os passos iniciais da investigação. Esse é o primeiro passo para tratar a investigação como um projeto que você possa gerenciar. Voltaremos a essa questão no final deste capítulo.

4. Uma hipótese é uma ferramenta que você pode usar repetidas vezes.

Quando você conseguir trabalhar de maneira metódica, a sua carreira mudará. E, mais importante, você mesmo(a) mudará. Você não precisará mais ter alguém para lhe dizer o que fazer. Você verá o que precisa ser feito para combater uma parte do caos e do sofrimento deste mundo, e estará em condições de fazê-lo. Não é por isso que você se tornou um(a) jornalista desde o início?

5. Uma hipótese praticamente garante que você entregará uma história, e não somente uma massa de dados.

Os editores querem ter certeza de que ao final de um dado período de tempo – e de um investimento específico de recursos –, haverá uma história para ser publicada. Uma hipótese aumenta imensamente a probabilidade de que isso aconteça. Ela permite que você preveja os resultados positivos mínimos e máximos para o seu trabalho, bem como um pior caso possível.

O uso de hipóteses: O cerne do método investigativo

Os repórteres estão sempre reclamando que os editores recusam suas grandes ideias de novas histórias. É claro, isso acontece mesmo. Mas frequentemente, o que o(a) editor(a) recusa não é de forma alguma a história. E sim o convite para um desastre – uma investigação pobremente planejada que queimará tempo e dinheiro por um resultado bastante incerto. Quando éramos mais jovens, nós mesmos oferecemos algumas dessas mulas mancas a editores, e fomos bastante sortudos que eles tenham quase sempre abatido esses pobres animais antes que pudéssemos montá-los.

Por exemplo, dizer “Eu quero investigar a corrupção” não é uma grande proposta para um(a) editor(a). É claro, a corrupção existe, em todos os lugares do mundo. Se você dedicar tempo suficiente em procura dela, você encontrará alguma coisa. Mas a corrupção em si, e por si mesma, não é uma questão. Ela não é uma história, e o que os jornalistas fazem é contar histórias. Se você procurar uma questão, ao invés de uma história, você pode se tornar um(a) especialista nessa questão, mas uma grande quantidade de tempo, dinheiro e energia serão perdidos ao longo do caminho. E é por isso que qualquer editor(a) com um cérebro lhe dirá: “Não”.

Se, ao invés disso, você disser, “A corrupção no sistema escolar tem destruído as esperanças dos pais de que os seus filhos tenham vidas melhores”, você está contando uma história específica. E isso já é mais interessante.

Esteja consciente disso ou não, você também está afirmando uma hipótese – porque você ainda não provou que a sua história é a história correta.

Você está propondo que a corrupção nas escolas existe, e que ela tem efeitos devastadores para pelo menos dois grupos de pessoas, os pais e os filhos. Isso pode ser ou pode não ser verdade; você ainda precisa encontrar os fatos.

Enquanto isso, a sua hipótese define questões específicas que devem ser respondidas se você quiser descobrir se ela faz sentido ou não. Isso acontece por meio de um processo no qual separamos as partes da hipótese e vemos quais afirmações individuais e específicas ela faz. Em seguida, podemos verificar cada afirmação individualmente. Ademais, também veremos o que queremos dizer por meio das palavras que usamos para contar a história, porque precisamos descobrir e definir o seu significado para podermos chegar a algum lugar.

Você pode responder a essas perguntas em qualquer ordem, mas a ordem mais sábia é quase sempre a que você pode seguir com mais facilidade. Qualquer investigação se tornará difícil mais cedo ou mais tarde, porque ela envolve muitos fatos, muitas fontes – o que significa que você precisará fazer muita organização do material – e muita atenção no sentido de garantir que você realmente chegou à história direito antes de por em risco a sua reputação.

Em nosso exemplo hipotético, o lugar mais fácil de começar é provavelmente uma conversa com os pais e os filhos a respeito das suas esperanças e do seu desespero.

Uma vez que você tenha encontrado pelo menos quatro fontes que lhe confirmem que de fato há corrupção nas escolas – menos de quatro é ainda uma base muito arriscada –, você poderá começar a examinar o funcionamento do sistema escolar. Você precisará estudar as suas regras, os seus procedimentos e os seus ideais e missão tais como são afirmados.

Quando você conhecer o funcionamento do sistema, você verá as zonas cinzentas e negras nas quais a corrupção pode ocorrer. Poderá então comparar a realidade daquilo que você ouviu e descobriu com o que o sistema declara.

Essa história vale a pena?



Uma quantidade grande demais de investigações já foi feita pelos motivos errados. Ainda que a paixão tenha sua importância, o sentimento de vingança é uma paixão, e alguns repórteres e companhias editoriais fazem uso de investigações para alcançar vinganças pessoais. Ainda que as investigações sejam um trabalho árduo, algumas delas são realizadas somente porque elas são as histórias mais fáceis entre as disponíveis. E uma quantidade grande demais de investigações nunca se pergunta se uma dada história é importante para os seus expectadores, e por quê.

Assim, faça a si mesmo(a) as seguintes perguntas quando você estiver avaliando se uma história vale ou não o trabalho que ela demandará de você:

Quantas pessoas serão afetadas? (Chamamos isso de “o tamanho da fera”.)

O quão poderosamente elas serão afetadas? (A qualidade importa tanto aqui quanto a quantidade. Se uma única pessoa morre, ou se a vida dela é arruinada, a história já é importante.)

Se elas forem afetadas positivamente, a causa poderia ser replicada em outros lugares?

Ou, essas pessoas são vítimas?

O seu sofrimento poderia ser evitado?

Podemos mostrar como?

Quem são os malfeitores que devem ser punidos?

Ou, pelo menos, denunciados?

É importante dizer, de alguma maneira, o que aconteceu, para que não aconteça novamente?

É assim que um de nós olha para a questão:

O mundo está cheio de sofrimento; boa parte desse sofrimento é inútil, e é o resultado de imoralidades e erros. O que quer que diminua o sofrimento, a crueldade e a estupidez vale a pena ser feito. Uma investigação pode contribuir com esse objetivo.

Procure fazer esse tipo de serviço primeiro, ao invés de simplesmente usar a oportunidade para avançar a sua carreira. Nunca se esqueça de que uma investigação é uma arma, e de que você pode machucar pessoas com ela – seja deliberadamente, ou pela sua própria falta de cuidado (vale sempre a pena lembrar que Woodward e Bernstein, famosos repórteres do escândalo Watergate, admitiram ter destruído as carreiras de diversas pessoas inocentes, juntamente com Richard Nixon). No decorrer da sua carreira, você será a melhor e a pior coisa que já aconteceu a algumas outras pessoas. Tenha cuidado em relação ao papel que você desempenha, e para quem, e por que. Tenha uma boa visão dos seus próprios motivos pessoais antes de investigar os outros. Se a história não é mais importante para os outros do que ela é para você, provavelmente você não deveria estar fazendo-a.

Ao longo de nossas carreiras, já realizamos centenas de investigações. Em cada uma delas, em algum momento, alguém chegou para nós e disse: “Por que você está fazendo todas essas perguntas? O que você irá fazer com essas informações? O que te dá esse direito?” Se não tivéssemos uma boa resposta para essas perguntas – e disséssemos “o público tem o direito de saber!” não seria uma boa resposta – a investigação estaria terminada. Normalmente dissemos algo mais ou menos assim: “O que está acontecendo aqui é importante para você e para os outros. Eu irei contar a história, e quero que ela seja verdadeira. Espero que você me auxilie”.

O que quer que você diga em um momento como esse, precisa ser algo em que você acredite, e precisa fazer sentido, qualquer que seja a pessoa a quem você está falando. As pessoas detestam jornalistas, e uma das razões para isso é que elas desconfiam dos nossos motivos. Esperamos que você também possa contribuir para mudar essa realidade.

A escolha de uma história para investigação



Divulgação: Internet 
Uma maneira é observar a mídia. Em geral, é uma boa ideia monitorar um setor específico, para que você comece a identificar padrões e, assim, notar quando algo de incomum ocorre. Se você termina uma história e pensa, “Por que isso aconteceu?”, existe uma boa probabilidade de que há mais por ser investigado.

Outra maneira é prestar atenção àquilo que está mudando no seu ambiente, e não aceitá-lo como algo dado. O grande repórter belga Chris de Stoop iniciou uma investigação que se tornou um marco, sobre o tráfico de mulheres, após perceber que as prostitutas belgas de uma vizinhança onde ele costumava passar a caminho do trabalho tinham dado lugar a estrangeiras, e então se perguntou por quê.

Uma terceira maneira é ouvir às reclamações das pessoas. Por que as coisas precisam ser assim? Não há algo que possa ser feito? Em qualquer lugar onde pessoas se aglomeram – mercados da vila, fóruns de internet, festas de jantar – você ouvirá falar de coisas que parecem estranhas, estarrecedoras ou intrigantes.

Por fim, não busque apenas coisas que envolvam transgressões. É frequentemente mais difícil realizar um bom trabalho de reportamento sobre algo que está dando certo – entender um novo talento, ou um projeto de desenvolvimento que alcançou as suas metas, ou uma empresa que está gerando riqueza e empregos. Identificar os elementos replicáveis do sucesso, ou as “melhores práticas”, é um valioso serviço aos seus expectadores.

Lembre-se disto: especialmente quando você estiver iniciando o trabalho, não existe algo como uma investigação curta. As habilidades necessárias para uma investigação em um vilarejo distante são as mesmas habilidades que você precisará ter mais adiante na capital. Isso não é uma teoria, isso é a nossa experiência. Use as histórias que aparecem onde quer que você esteja agora para começar a construir essas habilidades. Não espere até você estar envolvido em uma investigação de altos interesses para aprender o que você está fazendo.

Por fim, e acima de tudo, siga a sua paixão.

O que é o jornalismo investigativo?

Divulgação: Internet.

O jornalismo investigativo envolve expor ao público questões que estão ocultas – seja deliberadamente por alguém em uma posição de poder, ou acidentalmente, por trás de uma massa desconexa de fatos e circunstâncias que obscurecem a entendimento. Ele requer o uso tanto de fontes e documentos secretos quanto divulgados.

A cobertura convencional de notícias depende amplamente – e, às vezes, inteiramente – de materiais fornecidos pelos outros (por exemplo, pela polícia, governos, empresas, etc.); ela é fundamentalmente reativa, quando não, passiva. A cobertura investigativa, em contraste, depende de materiais reunidos ou gerados a partir da própria iniciativa do(a) repórter (e por isso ela é frequentemente chamada de “cobertura empreendida” – em inglês, “enterprise reporting”).

A cobertura convencional de notícias visa a criar uma imagem objetiva do mundo como ele é. A cobertura investigativa utiliza materiais objetivamente verdadeiros – ou seja, fatos que qualquer observador razoável concordaria que são verdadeiros – visando à meta subjetiva de reformar o mundo. Ela não é uma licença para mentir por uma boa causa. Ela é uma responsabilidade, para que a verdade seja aprendida de modo que o mundo possa mudar.

Ao contrário do que alguns profissionais gostam de dizer, o jornalismo investigativo não é apenas o bom e velho jornalismo bem realizado. De fato, ambas as formas de jornalismo focalizam os elementos de quem, o que, onde e quando. Mas o quinto elemento da cobertura convencional, o “por que”, torna-se o “como” na investigação. Os outros elementos são desenvolvidos não apenas em termos de quantidade, mas também em termos de qualidade. O “quem” não é apenas um nome ou um título, e sim uma personalidade, com traços de caráter e um estilo. O “quando” não está presente nas notícias, e é um continuum histórico – uma narrativa. O “que” não é meramente um evento, e sim um fenômeno com causas e consequências. O “onde” não é apenas um endereço, e sim uma ambientação, na qual certas coisas se tornam mais ou menos possíveis. Esses elementos e detalhes dão ao jornalismo investigativo, em sua melhor forma, uma poderosa qualidade estética que reforça o seu impacto emocional.

Em suma, ainda que os repórteres possam fazer tanto a cobertura diária quanto o trabalho investigativo ao longo de suas carreiras, os dois papéis envolvem às vezes habilidades, hábitos de trabalho, processos e metas profundamente diferentes. Essas diferenças são detalhadas na tabela a seguir. Elas não devem ser lidas como opostos distintos e irreconciliáveis. Ao invés disso, quando uma situação corresponde mais ao lado esquerdo da tabela, isso significa que o(a) repórter está realizando a cobertura convencional; à medida que a situação caminha para a direita na tabela, o(a) repórter começa a atuar de uma maneira investigativa.

É algo aparente que uma investigação dê muito mais trabalho do que o jornalismo do dia-a-dia? De fato, ela dá mais trabalho, a cada passo do processo, ainda que seja possível realizá-la de maneira eficiente e prazerosa. Ela também é muito mais recompensadora – para o público, para a sua organização, e para você.