sábado, 5 de dezembro de 2015

Siga pela porta que está aberta

E m um filme chamado “Harper”, o ator Paul Newman faz o papel de um detetive particular que se encontra diante de uma porta com um menino que quer provar o quão durão ele é. “Por favor, por favor, posso passar pela porta?”, ele implora. “Claro”, diz o detetive. A criança se arremessa contra a porta e quase quebra o seu ombro. Harper caminha até a porta, gira a maçaneta e a abre.

Em minha experiência de ensino e prática de investigações, vejo muitas pessoas que agem como essa criança, tentando quebrar barreiras que não estão realmente fechadas, ou que elas poderiam facilmente contornar. Tipicamente, essas pessoas sofrem com uma ilusão: elas pensam que qualquer coisa que não é um segredo também não é digna de ser conhecida. E assim passam o seu tempo tentando fazer com que as pessoas lhes contem segredos. Até mesmo pessoas que são muito, muito boas nisso (Seymour Hersh e o neozelandês Nicky Hager vêm à mente) são obrigadas a mover-se devagar sobre esse terreno.

Infelizmente, para a maioria de nós, é difícil diferenciar um segredo de uma mentira. Enquanto isso, a pessoa termina fazendo papel de bobo, pois normalmente, pedir as pessoas para lhe contar algo as torna muito poderosas, e torna a pessoa que pergunta digna de pena.

Os profissionais de inteligência, cujos interesses incluem viver um tempo longo o suficiente para receber uma aposentadoria, usam uma abordagem diferente, com base em diferentes pressupostos:

A maior parte daquilo que chamamos "segredos" é composta simplesmente por fatos aos quais não tínhamos prestado atenção.

A maior parte desses fatos - a estimativa comum é de 90% - está disponível para a nossa consulta em uma fonte “aberta”, ou seja, uma fonte que pode ser livremente acessada.

Temos ouvido frequentemente que em um ou outro país, as informações de fontes abertas são limitadas e de qualidade ruim. Isso pode ser mais ou menos verdadeiro. Mas também temos percebido que sempre há mais informações de fontes abertas à disposição do que os jornalistas têm conseguido utilizar. O seu sucesso em por as mãos nessas fontes e produzir histórias a partir delas é frequentemente fácil, porque os seus competidores normalmente não estão fazendo esse trabalho. Ao invés disso, eles estão implorando para que alguém lhes conte um segredo.

Um exemplo em meio a diversos outros:

Na década de 1980, um jovem repórter francês de nome Hervé Liffran, do semanário Canard Enchaîné foi destacado para cobrir a prefeitura de Paris, mas descobriu que os funcionários públicos receberam ordens de não falar com ele. A única repartição onde ele podia entrar livremente era a biblioteca administrativa da cidade, onde cópias de todos os relatórios internos e contratos eram mantidas. Um dos seus primeiros furos jornalísticos foi a revelação de que a cidade tinha assinado contratos escandalosamente ricos para as grandes companhias de água e escandalosamente caros para os contribuintes. Quando as pessoas dentro da prefeitura viram que Liffran não poderia ser detido, elas começaram a falar com ele. Mais adiante, ele utilizou registros de votos livremente disponíveis para expor manipulações eleitorais na cidade de Paris; ele conferiu as listas para checar se os eleitores cujos endereços oficiais estavam em prédios de propriedade da cidade realmente viviam nesses lugares.

Então já dá para ter uma noção do conceito. Qualquer fato que está registrado em algum lugar, e que é aberto ao público, está ali à sua disposição. Não suponha que por serem abertas ao público, essas informações sejam velhas, inú- teis, ou já conhecidas. Não procure somente por partes específicas de informações; isso é o que os amadores fazem. Ao invés disso, procure pelos tipos de fontes e abordagens que você poderá sempre usar novamente. A sua capacidade de usar esse material será um fator crucial na sua reputação.

Lembre-se sempre disto: É sempre mais fácil fazer com que alguém confirme algo que você já sabe ou já entendeu, do que fazer com que alguém se voluntarie a dar informações que você ainda não tem. Voltaremos a essa questão mais adiante, na seção intitulada “fontes abertas como uma fonte de poder”.

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